Parecer do CNE aponta para cumprimento dos 200 dias letivos
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO
INTERESSADO: Ministério da
Educação;Secretaria de Educação Básica (MEC/SEB)
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UF:DF
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ASSUNTO: Solicita manifestação acerca do art. 64 da Lei nº
12.663, de 5 de junho de 2012, que trata dos ajustes dos calendários escolares em
todo o período entre a abertura e o encerramento da Copa do Mundo FIFA 2014
de Futebol.
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RELATOR: Mozart Neves Ramos
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PROCESSO Nº: 23001.000142/2012-12
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PARECER CNE/CEB Nº.
21.2012
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COLEGIADO
CEB
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APROVADO EM
05.01.2012
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I – RELATÓRIO
Da consulta
Consulta-nos a Secretaria de Educação Básica do
Ministério da Educação (SEB/MEC) acerca do art. 64 da Lei nº 12.663, de 5 de
junho de 2012, sendo que o
faz nos termos do Ofício nº 1276/2012/GAB/SEB/MEC, datado de 23 de
julho de 2012, que foi,
naquilo que se refere ao assunto em tela, assim redigido:
Encaminhamos, para conhecimento desse Colegiado, cópia
da supracitada Lei que dispõe sobre as medidas relativas à Copa das
Confederações FIFA 2013, a Copa do Mundo FIFA 2014 e a Jornada Mundial da
Juventude, que serão realizadas no Brasil, solicitando manifestação desse
Conselho acerca do artigo 64 da citada Lei, que trata dos ajustes dos
calendários escolares em todo o período entre a abertura e o encerramento da
Copa do Mundo FIFA 2014 de Futebol.
Nesse sentido, o que se tem é o encaminhamento da
Secretaria de Educação Básica do MEC para que esta Câmara de Educação Básica do
Conselho Nacional de Educação tome, não apenas ciência da Lei em tela, mas
emita manifestação acerca do art. 64 da mencionada Lei, denominada Lei Geral da
Copa, porque ali há a determinação de ajuste de calendários escolares em
virtude da Copa do Mundo de Futebol, promovida pela FIFA, para o ano de 2014, a ser realizada no Brasi
Do desenvolvimento
Para que se possa desenvolver o trabalho em questão, é
necessário que seja conhecido o art. 64 da mencionada Lei nº 12.663/2012:
Art. 64 - Em 2014, os sistemas de ensino deverão
ajustar os calendários escolares de forma que as férias escolares decorrentes
do encerramento das atividades letivas do primeiro semestre do ano, nos
estabelecimentos de ensino das redes pública e privada, abranjam todo o período
entre a abertura e o encerramento da Copa do Mundo FIFA 2014 de Futebol.
A Lei é clara nas suas determinações, porque define de
forma indubitável que os sistemas de ensino deverão ajustar seus calendários de
forma a que as férias escolares decorrentes do encerramento das atividades
letivas do primeiro semestre do ano, tanto nas escolas públicas como privadas,
abarquem todo o período de duração da Copa do Mundo de Futebol, de sua abertura
até seu encerramento.
Em vista da clareza da disposição normativa, cumpre
que se pergunte sobre o porquê da necessidade de manifestação deste Conselho
Nacional de Educação.
Embora não seja dito na consulta, é certo que o que se
pretende é entender se a norma assinalada não se choca apenas com disposições
constitucionais e legais sobre o assunto, sendo que, com relação às disposições
legais, referimo-nos à Lei nº 9.394/96 (LDB), mas também se não causa prejuízo
às questões relativas ao desenvolvimento da educação brasileira.
Inicialmente o que chama a atenção é que a norma
define que os sistemas de ensino deverão ajustar seus calendários escolares.
Assim, vale a questão: o que são sistemas de ensino pela definição normativa
hoje em vigor no país?
Essa definição é precisa na LDB:
Art. 16. O sistema federal de ensino compreende:
I - as instituições de ensino mantidas pela União;
II - as instituições de educação superior criadas e
mantidas pela iniciativa privada;
III - os órgãos federais de educação.
Art. 17. Os sistemas de ensino dos Estados e do
Distrito Federal compreendem:
I - as instituições de ensino mantidas,
respectivamente, pelo Poder Público estadual e pelo Distrito Federal;
II - as instituições de educação superior mantidas
pelo Poder Público municipal;
III - as instituições de ensino fundamental e médio
criadas e mantidas pela iniciativa privada;
IV - os órgãos de educação estaduais e do Distrito
Federal, respectivamente.
Parágrafo único. No Distrito Federal, as instituições
de educação infantil, criadas e mantidas pela iniciativa privada, integram seu
sistema de ensino.
Art. 18. Os sistemas municipais de ensino compreendem:
I - as instituições do ensino fundamental, médio e de
educação infantil mantidas pelo Poder Público municipal;
II - as instituições de educação infantil criadas e
mantidas pela iniciativa privada;
III – os órgãos municipais de educação.
Da LDB já se extrai que há vários sistemas de ensino
no país: um para a União, um para cada Estado e para o Distrito Federal e um
para cada Município que tenha se constituído em sistema.
Vê-se, da mesma forma, que as escolas privadas integram
os sistemas de ensino.
Então, é claro que o art. 64 da norma ora em estudo
determina que todas as escolas de Educação Básica do país (âmbito do estudo
pela competência da Câmara de Educação Básica do CNE), sejam elas públicas ou
privadas, nos exatos termos da Lei, deverão
(...)
ajustar os calendários escolares de forma que as férias escolares decorrentes
do encerramento das atividades letivas do primeiro semestre do ano, nos
estabelecimentos de ensino das redes pública e privada, abranjam todo o período
entre a abertura e o encerramento da Copa do Mundo FIFA 2014 de Futebol.
Como as escolas particulares são fiscalizadas pelo
Poder Público e integram obrigatoriamente algum sistema de ensino, o que a Lei
determina é que calendários escolares que não obedeçam fielmente ao que vai
disposto no seu art. 64 não sejam validados ou homologados. Assim a Lei
consagra sua vontade.
Há outro ponto que deve ser objeto de prévia análise
antes da conclusão deste estudo.
O art. 64 da Lei Geral da Copa estabelece que as
férias escolares, decorrentes do encerramento das atividades letivas do
primeiro semestre do ano letivo, ocorram durante toda a Copa do Mundo de
Futebol de 2014.
Não há lei que defina férias escolares, quando o que
se deseja é uma definição ampla, nacional, como a que pretende a Lei Geral da
Copa. Isto é fato, mas é de conhecimento universal o significado do que sejam
férias. É importante que se diga isso, porque nem sempre quando há períodos sem
atividades letivas nas escolas ocorrem férias. Há os chamados recessos, por
exemplo, e, obviamente, pode haver diversas outras denominações previstas em
qualquer das legislações e normas dos inúmeros sistemas de ensino do nosso
País, que definam a mesma coisa: qualquer período durante um ano letivo em que
não exista atividade letiva.
Assim, vale frisar com muita ênfase que, embora a Lei
Geral da Copa defina que há um período em que se deseja que não exista
atividade letiva entre os dois semestres do ano de 2014 e, ainda, em todo o
período da Copa do Mundo de Futebol para aquele ano, da sua abertura até seu
encerramento, e que denomine este período como férias, este período não deve
ser entendido como férias, usando o vernáculo em seu sentido estrito, mas
apenas e tão somente como um período em que não há atividade letiva, que pode
ser denominado, a depender do sistema, como sendo recesso, suspensão de
atividade letiva ou qualquer outra denominação afim.
Esta é a única conclusão possível, justamente porque
não há qualquer lei que defina férias escolares, sendo certo que mesmo a Lei
Geral da Copa não o fez. O que a Lei quis, com certeza, não foi engessar os
sistemas obrigando a que as férias escolares (usando o sentido estrito do
vernáculo) ocorram em determinado período do ano; quis, sim, apenas e tão
somente, garantir que não exista atividade letiva no período do ano que está
estabelecido no art. 64 da lei.
Mesmo quando se consideram as disposições acerca do
número de dias letivos previstos na LDB a conclusão só pode ser esta:
A LDB afirma em seu art. 24 o que segue:
Art. 24. A educação básica, nos níveis fundamental e médio, será
organizada de acordo com as seguintes regras comuns:
I - a carga horária mínima anual será de oitocentas
horas, distribuídas por um mínimo de duzentos dias de efetivo trabalho escolar,
excluído o tempo reservado aos exames finais, quando houver;
Veja-se: a LDB não obriga que as
escolas guardem qualquer período sem atividades letivas ao final de um
semestre. Apenas obriga a que haja, no mínimo, 800 horas anuais de atividades
letivas, distribuídas em, no mínimo, 200 dias letivos.
Em um raciocínio cartesiano, parece
óbvio que, se o ano possui dois semestres, 100 dias letivos serão ministrados
no primeiro semestre e os outros 100 no segundo. Então, parece lógico que há um
período entre os dois semestres em que não há atividades docentes.
Ocorre que o processo educativo não é
calcado em um raciocínio meramente linear. Não é o ano letivo assemelhado, por
exemplo, ao ano fiscal ou ao ano eclesiástico.
A própria LDB, em seu art. 23, define o
processo educativo como algo complexo, que reconhece as peculiaridades do
educando e do meio em que vive:
Art. 23. A educação básica poderá organizar-se em séries anuais,
períodos semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de estudos, grupos
não-seriados, com base na idade, na competência e em outros critérios, ou por
forma diversa de organização, sempre que o interesse do processo de
aprendizagem assim o recomendar.
(...)
§ 2º O calendário escolar deverá adequar-se às
peculiaridades locais, inclusive climáticas e econômicas, a critério do
respectivo sistema de ensino, sem com isso reduzir o número de horas letivas
previsto nesta Lei.
Além da LDB não prever que o calendário seja,
obrigatoriamente, construído de forma cartesiana, fechada, pré-definida, esta
Lei, pelo contrário, estimula que ele seja dinâmico, que observe as
peculiaridades locais para sua construção, porque reconhece a grandeza e a
diversidade de nosso país, que pode apresentar divergências gritantes de
situações que justifiquem a adoção de diferentes calendários até mesmo no
âmbito de determinado município. Pode haver um calendário adequado para a zona
urbana e outro mais adequado para a zona rural de um mesmo município.
Então, não é verdadeiro se afirmar que em todo o país
o encerramento das atividades letivas do primeiro semestre se dê no período
reservado para a Copa do Mundo de Futebol de 2014. Poderá haver sistemas em
que, neste período, esteja no meio do primeiro trimestre. Poderá haver ainda
sistemas em que, neste mesmo período, estejam no final do terceiro bimestre e
assim por diante.
Assim, a Lei nº 12.663/2012 é muito imprecisa na sua
redação, embora deixe que se anteveja a sua vontade, que é, como se disse, que
não haja atividade letiva no período da abertura até o encerramento da Copa do
Mundo de Futebol de 2014.
Ainda que se leve em conta a imprecisão da redação do
artigo da Lei que ora se analisa, torna-se também necessário que seja
considerado, em nosso país, como interpretar leis de mesmo nível hierárquico,
especialmente quando há aparente choque entre elas, que é justamente o caso em
questão. Aqui há, salvo melhor juízo, um claro conflito entre as disposições da
LDB e da Lei em estudo, no que diz respeito à elaboração do calendário escolar.
A resposta a esta questão está no Decreto-Lei nº
4.657, de 4 de setembro de 1942, conhecido como a Lei de Introdução ao Código
Civil, em seu art. 2º, que se segue:
Art. 2o Não se destinando à vigência temporária, a lei terá
vigor até que outra a modifique ou revogue.
§ 1o A lei posterior revoga a anterior quando expressamente
o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria
de que tratava a lei anterior.
§ 2o A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou
especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.
§ 3o Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se
restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência.
Há, aqui, duas leis: a Lei nº 9.394/96 (LDB) e a Lei
nº 12.663/2012 (Lei Geral da Copa), uma posterior à outra, as duas específicas
em seus assuntos.
Pois bem, como se conclui da leitura do § 1º do art.
2º da Lei de Introdução ao Código Civil, lei posterior revoga lei anterior,
quando ela expressamente assim o declare, ou quando ela seja incompatível com
aquela. Esta revogação pode ser absoluta ou parcial
Quando lei nova estabelece disposições gerais ou
especiais sobre lei já existente, não revoga a já existente.
O que se quer dizer é que a Lei Geral da Copa não
revogou a LDB, no todo ou em parte, até porque são leis de naturezas
diferentes. Assim, a LDB continua plenamente em vigor, até porque é lei
específica prevista no inciso XXIV do art. 22 da Constituição Federal, e regula
a educação nacional. Dessa forma, quando se estuda eventual conflito entre o
que vai disposto no art. 64 da Lei nº 12.663/2012 e no art. 23, § 2º, da Lei nº
9.394/96, é este último que se impõe, em conformidade com o § 2º do art. 24 da
Constituição Federal. Ou seja, a norma que deve ser seguida quando se cuida da
elaboração de calendário escolar é a norma da LDB e não a norma da Lei Geral da
Copa, porque a primeira, a LDB, é a lei específica da educação.
II – VOTO DO RELATOR
Assim, e por tudo que foi agora exposto, a conclusão a
que chego, e assim profiro meu voto, é no sentido de que:
a) o art. 64 da Lei nº 12.663/2012 (Lei Geral da Copa)
não se aplica em detrimento do art. 23, § 2º, da Lei nº 9.394/96 (LDB),
justamente porque não o revogou e nem é norma específica do processo
educacional brasileiro;
b) assim, os sistemas de ensino deverão estabelecer
seus calendários escolares nos termos do que se encontra disposto no § 2º, do
art. 23 da Lei nº 9.394/96 (LDB), ao tempo em que se recomendam eventuais
ajustes nos calendários escolares em locais que sediarem jogos da Copa do Mundo
de Futebol de 2014, em conformidade com a Lei nº 12.663/2012.
Brasília (DF), 5 de dezembro de 2012.
Conselheiro Mozart Neves Ramos – Relator
III – DECISÃO DA CÂMARA
A Câmara de Educação Básica aprova por unanimidade o voto do Relator.
Sala das Sessões, em 5 de dezembro de
2012.
Conselheiro Raimundo Moacir Mendes Feitosa – Presidente
Conselheira Maria Izabel Azevedo Noronha –
Vice-Presidente
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